O Papa é argentino, mas Jesus é rubro-negro

São 11h13, horário de Lima, do dia 24 de novembro de 2019 e estou no avião voltando para o Brasil. O cansaço é enorme, mas simplesmente não consigo dormir durante o vôo. Tudo que aconteceu ontem já viraram belas recordações. Podem passar 50 anos e, mesmo assim, eu tenho certeza que lembrarei de todos os detalhes que eu vivi.


Tudo começou quando o Flamengo eliminou o Internacional nas quartas de final no dia 28 de agosto de 2019. Ali, resolvi comprar minha passagem pra Santiago, local que receberia inicialmente a decisão da Libertadores. Por conta de manifestações políticas no Chile, a Conmebol transferiu, no dia 5 de novembro de 2019, a final pra Lima, no Peru.

A partir desse dia até o dia 16 de novembro, liguei insistentemente para a companhia aérea a qual eu tinha adquirido minha passagem para tentar modificar o meu destino. Durante esses 10 dias, recebi muitas negativas, cheguei a ficar mais de 3h na ligação e chegaram até a desligar o telefone na minha cara. E mesmo assim não desisti e segui tentando. Até que faltando exatamente 1 semana para o jogo, finalmente, consegui alterar meu vôo pra Lima.


No dia 22 de novembro decolei rumo ao Peru fazendo escala na Argentina. Na minha conexão em Buenos Aires, encontrei os torcedores do River Plate e fomos no mesmo vôo para Lima. Antes de embarcar, o piloto, torcedor dos Millonarios, em tom de brincadeira, falou para as dezenas de rubro-negros que iam embarcar no aeroporto da capital argentina: "Se vocês cantarem alguma música no avião, irei largá-los no meio do Deserto do Atacama".

O vôo Buenos Aires-Lima foi completamente dividido como um estádio de futebol. Praticamente todos os passageiros estavam caracterizados com o uniforme de seu clube. Quando o avião pousou em Lima, o piloto, que como disse era torcedor do River, colocou uma música de arquibancada da sua torcida. Os argentinos foram à loucura e começaram a entoar o canto com aquele típico movimento das mãos.


Porém, logo depois, o comandante fez questão de colocar o hino do Flamengo no sistema de som do avião para a alegria dos rubro-negros como eu que estavam presentes.


Ao desembarcar, fui para a fila da imigração no aeroporto de Lima. Apesar de eu ter chegado lá por volta das 23h do horário local (1h no horário de Brasília), o fluxo de pessoas era muito grande. Com isso, formou-se uma aglomeração de torcedores do Flamengo, do River Plate e de turistas americanos e chineses que estavam chegando para conhecer Machu Picchu. Fiquei por 2h30 na fila da imigração.


Para se distrair, os rubro-negros puxavam cantos para entrar no clima da decisão que aconteceria em menos de 24h. Nisso, os argentinos respondiam na mesma moeda, formando um belo duelo. E no meio disso tudo, uns turistas ficaram maravilhados, pois aquilo virou uma atração pra eles e outros não sabiam nem do que se tratava. Para se ter uma ideia, um americano me perguntou quais times iriam se enfrentar e por qual campeonato era o duelo.


Após todo aquele tempo na fila da imigração, finalmente fui para meu hotel, em Miraflores. Ao chegar, a ansiedade tomou conta de mim. Foi ali que caiu a ficha e vi que estava em Lima pra assistir o Flamengo na final da Copa Libertadores. Consegui dormir apenas 1h e nesse pouco tempo de sono, cheguei a acordar três vezes com medo de perder o horário de estar no ponto de encontro dos ônibus que iriam de Miraflores para o Estádio Monumental.

Peguei um uber até esse ponto de encontro e me enturmei com uma galera que não conhecia, mas que iria no mesmo ônibus que o meu. Durante o trajeto, colocamos bandeiras pro lado de fora da janela, cantamos músicas do Flamengo e o mais legal de tudo é que muitos peruanos que estavam andando na rua acenavam para gente, declarando apoio ao Flamengo nessa final. Essa simpatia dos locais é facilmente explicada pela passagem de Guerrero, o maior ídolo deles, pelo rubro-negro carioca.


Cheguei nos arredores do estádio e fiquei somente 30 minutos ali do lado de fora. Resolvi entrar logo mesmo faltando 3h pra bola rolar de tanta ansiedade pela partida. Da primeira revista até a arquibancada, foram 6 bloqueios. Foi montado um forte esquema de segurança para impedir a entrada de torcedores com ingressos sem ser com seu próprio nome, de torcedores alcoolizados e a entrada de bandeiras e faixas. No caminho até o estádio, tinha um artista de rua tocando "Em dezembro de 81" com sua flauta.


Quando passei por todos esses bloqueios, entrei, de fato, no estádio da final da Libertadores. Pra quem pede o fim do futebol moderno, a volta do futebol raiz, ali era o lugar perfeito. O banheiro estava em um estado deplorável a ponto de haver poças de xixi no chão e as lanchonetes eram muito precárias. Apesar de alguns ventos, o sol, que não aparecia tanto, estava forte e queimando. Eu cheguei a ficar com marcas vermelhas na nuca e nos braços.

A hora foi passando e pouco antes das 15h, o Flamengo subiu ao gramado para a batalha final. Os jogadores foram recebidos ao som de "Em dezembro de 81".



Quando a bola rolou, logo no início uma ducha de água fria: 1x0 River Plate com menos de 15 minutos de jogo. O tempo foi passando e o placar seguia o mesmo. O Flamengo só começou a jogar bola a partir dos 20 minutos do segundo tempo. Antes disso, o time estava irreconhecível e os rubro-negros na arquibancada comentavam que havia sido uma temporada toda para chegar nesse jogo, que o Flamengo precisava jogar como antes. A gente sabia que o time poderia render mais. Nos últimos 25 minutos da final, o Flamengo passou a tomar conta do jogo. Quem acompanha o Flamengo sabia que o gol de empate era questão de tempo, e ele veio no mítico minuto 43.

Quando o Gabigol marcou pela primeira vez, eu comecei a chorar muito. Eu soluçava de felicidade, alívio e emoção. Eu só pensava em toda a luta que foi pra trocar meu vôo, só pensava nos torcedores que fizeram conexões malucas pra chegar em Lima e só pensava nos integrantes da Raça Rubro Negra que enfrentaram 5 dias de estrada do Rio de Janeiro até a capital peruana.

Eu e todo mundo já estávamos nos preparando pra prorrogação. Só que logo em seguida, Gabigol marcou de novo e decidiu a Libertadores. Eu não consegui ver esse segundo gol já que meus olhos ainda estavam cheios de lágrimas do primeiro gol. O que aconteceu aos 47 minutos do segundo tempo no Estádio Monumental, eu não sei explicar qual foi o meu sentimento, mas é algo que eu vou guardar na minha memória pro resto da vida.

Quando a bola entrou, a torcida explodiu de uma forma surreal. Eu nunca vi tanta gente comemorando um gol caída no concreto da arquibancada. Foi a comemoração mais pura, o abraço mais sincero e as lágrimas mais verdadeiras que eu já vi. Um cara que estava do meu lado estava me vendo chorar desde o primeiro gol, me disse "a gente é bicampeão da Libertadores, irmão, vamos comemorar!".

Do segundo gol até o apito final, as pessoas se olhavam sem acreditar no que estavam vendo com os próprios olhos. Tava tudo ali, acontecendo na nossa frente.

Quando o jogo acabou, os jogadores correram na nossa direção pra comemorar com direito a pagode dentro do gramado. Gabigol colocava as duas mãos na cabeça como se não estivesse acreditando no que ele fez. O camisa 9 não só decidiu a Libertadores, como também entrou pra seleta galeria de ídolos imortais do Clube de Regatas do Flamengo.


Na volta, no mesmo ônibus, pouco me importei com o engarrafamento. Foram cerca de 3 horas até voltar para Miraflores. Torcedores do Flamengo chegaram a subir em caminhões de lixo para comemorar o bicampeonato.


Além disso, quando um dos sinais fechou, surgiram algumas crianças vendendo bala. E para nos convencer a comprar, elas falaram dois termos que, naquele momento, eu afirmo com 100% de certeza que convenciam qualquer rubro-negro. Pra falar o português bem claro, esses dois termos deixariam no chinelo até mesmo a estratégia de marketing mais genial do mundo. As crianças viram nosso ônibus cheio de flamenguista e simplesmente falaram "Hoje tem 2 gols do Gabigol" e "Vapo!". Pronto, os jovens nos conquistaram e demos dinheiro mesmo sem comprar as balas.


A gente sabe que o futebol muitas vezes é injusto, mas ontem ele não poderia ser. Todo o esforço feito pelos torcedores do Flamengo pra estar ali foi visto, e apesar do Papa ser argentino, Jesus é rubro-negro.

BÔNUS: Pra fechar, ainda voltei de Lima pro Rio de Janeiro fazendo conexão em São Paulo. No momento em que pousei em Congonhas, o jogo do Palmeiras tinha acabado e o Flamengo tinha se consagrado heptacampeão brasileiro! Que final de semana!

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